semtítulo.
A música pop está cheia das mais exageradas juras de amor. Rapazes apaixonados prometendo subir montanhas, atravessar rios a nado, matar tigres e leões, se necessário for, para ficarem com suas donzelas. Beleza. Quando amamos, temos mesmo a sensação de que podemos atravessar o Saara plantando bananeira e assoviando Mamãe eu quero.
O problema é que nunca, para conquistar uma pessoa, ou manter uma relação, teremos que atravessar o Saara plantando bananeira e assoviando Mamãe eu quero. Sem querer ser um estraga prazeres, um burocrata racional diante da poesia - mas sendo -, tenho que dizer: o buraco é mais embaixo. A maior prova de amor não é mantê-lo vivo diante de tigres e leões, mas das épicas dificuldades do dia-a-dia.
Olha só: o Rodrigo e a Marina já namoravam há alguns anos e pensavam em se casar. Mas eis que passou por aqui um italiano (malditos italianos!!!), ela se apaixonou, foi para Milão e deixou o Rodrigo chupando o dedo. O Rodrigo ligava, escrevia e-mails, cartas, fazia juras de amor e esperava bravamente - numa mesa de bar, como convém a um coração partido. Depois de um tempo, a Marina desencanou do italiano e voltou aos braços saudosos do meu amigo. Ele a perdoou, ela jurou que isso jamais aconteceria novamente, que ele era seu único e grande amor. Eles se casaram, todos nós, os amigos (que havíamos dado uma força ao Rodrigo quando ele estava mais próximo de uma gelatina do que de um homem) choramos muito e dissemos: "Oh, o amor é lindo, o perdão existe, que coisa bela."
Semana passada, numa festa encontrei o Rodrigo. Conversa vai, conversa vem, ele me contou que o casamento tá meio conturbado. Outro italiano, pensei, já quase ficando com raiva da Marina e me lembrando dos dias gelatinosos do meu amigo. Nada disso. Ela continua fiel a ele. O problema agora é outro. Rodrigo é um cara muito organizado, certinho, lava a louça assim que acaba de comer e arruma a cama ao acordar. Marina é uma zona, joga a roupa pela casa, deixa a caixa de pizza na frente da televisão, nunca fecha a pasta de dentes. "Você vê só", me disse ele. "Eu fui capaz de sofrer um abandono, de ficar aqui esperando enquanto ela vivia com o gringo. Eu perdoei, eu não tenho nenhuma mágoa, juro! Mas esse negócio da roupa espalhada pela casa, dos pratos sujos pela cozinha, isso eu não aguento! Eu fico louco! A gente tem altos quebra-paus por causa de uma calça jeans no corredor, é insano!"
Digamos que, metaforicamente, Rodrigo escalou, por amor, a montanha mais alta. A dificuldade agora, é enfrentar os microdemônios da planície. Essa, sim, é a mais profunda prova de amor.
-Antônio Prata.
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